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FUTEBOL & MÚSICA: 3ª PARTE



Na terceira e última parte desta série, o JdT presta homenagem ao Anjo de Pernas Tortas, com duas músicas compostas nos anos 1960/1970, ambas recheadas de nostalgia e com histórias muito interessantes. Em seguida duas músicas que fazem referência ao futebol: a primeira de modo genérico, cheia de lirismo, e a segunda relacionada a um episódio interessante da história da seleção brasileira, mas numa pegada de humor.


Garrincha é considerado o mais habilidoso jogador de toda a história do futebol e, na maior parte de sua carreira, vestiu o terno do Botafogo enquanto simultaneamente deslumbrava o mundo inteiro com a camisa da seleção brasileira. Já em fase decadente, sofreu a primeira derrota pela equipe nacional, quando perdemos por 3x1 para a Hungria, na Copa do Mundo de 1966.


Um ano depois, Sérgio Ricardo inscreveu e classificou a música “Beto bom de bola” para a final do 3º Festival de Música Popular Brasileira, organizado pela TV Record. Nem todo mundo sabe que a música foi composta em homenagem a Garrincha, até porque a associação mais imediata é feita com a épica vaia que a canção recebeu e, mais ainda, com a reação do cantor/compositor que, irritado por não ter conseguido apresentar a música, quebrou seu violão e atirou os destroços sobre a plateia, sendo desclassificado da competição musical.

E foi pra Copa, buscar a glória, E fez feliz a nação no maior lance da história. Atenção, Beto com a bola, avança o furacão Zero a zero no placar, é grande a confusão Vai levando a Leonor, rompendo a marcação Driblou dois e agora invade a zona do agrião Leva um chute na canela e vai parar no chão Se levanta ainda com a bola, domina o balão Capengando dribla o beque, que petardo, pimba! Gooooool !! E foi beijar o véu da noiva, o Brasil campeão! É, é, é, ou não é? Brasil bicampeão! É, é, é, ou não é? Brasil bicampeão!

A alusão é direta ao protagonismo de Garrincha na Copa de 1962, mas em seguida aborda criticamente a memória nacional daqueles que um dia endeusam seus ídolos para relegá-los ao esquecimento em pouco tempo. Além disso, retrata a solidão daqueles que, de alguma forma, não souberam (ou não conseguiram) lidar com a fama e a glória.

E foi-se a Copa, e foi-se a glória, E a nação se esqueceu do maior craque da história Quando bate a nostalgia, bate noite escura Mãos no bolso e a cabeça baixa, sem procura Beto vai chutando pedra Cheio de amargura Num terreno tão baldio o quanto a vida é dura Onde outrora foi seu campo de uma aurora pura Chão batido, pé descalço, mas sem desventura Contusão, esquecimento, glória não perdura Mas, se por um lado o bem se acaba O mal também tem cura É, é, é, ou não é? O mal também tem cura É, é, é, ou não é? O mal também tem cura Homem não chora por fim de glória Dá seu recado enquanto durar sua história Homem não chora por fim de glória Dá seu recado enquanto durar sua história

Garrincha cercado por adversários na Copa de 1962 (Reprodução: Arquivo Nacional)


A outra música dedicada a Garrincha é “Balada Número 7”, composta por Alberto Luiz e lançada por Moacyr Franco, em 1971, época em que, já sentindo os efeitos do alcoolismo, Garrincha tinha praticamente encerrado sua carreira profissional. A história dessa composição, entretanto, tem uma curiosidade narrada por Moacyr Franco em algumas entrevistas. Originalmente a música foi feita como uma homenagem a Ipojucã, meia-atacante e 5º maior artilheiro da história do Vasco da Gama, clube que defendeu de 1945 a 1954, e que também vestiu o terno da Portuguesa entre 1955 e 1958.


Imaginada como um hino ao jogador de futebol, teve sua letra modificada por sugestão de Moacyr Franco, de modo a homenagear a “Alegria do Povo”, como Mané Garrincha era conhecido.

Sua ilusão entra em campo no estádio vazio, Uma torcida de sonhos aplaude talvez, O velho atleta recorda as jogadas felizes, Mata a saudade no peito driblando a emoção. Hoje outros craques repetem as suas jogadas, Ainda na rede balança seu último gol, Mas pela vida impedido parou, E para sempre o jogo acabou, Suas pernas cansadas correram pro nada, E o time do tempo ganhou.

O tom nostálgico da letra, junto com a melodia, transformou a música em uma bela e emocionante homenagem, que retrata também a transitoriedade da fama e do sucesso de um jogador de futebol, quase sempre acompanhada pela solidão após o encerramento da carreira.

Ergue seus braços e corre outra vez no gramado, Vai tabelando o seu sonho e lembrando o passado, No campeonato da recordação faz distintivo do seu coração, Que as jornadas da vida, são bolas de sonho Que o craque do tempo, chutou. Cadê você, cadê você, você passou, O que era doce, o que não era se acabou, Cadê você, cadê você, você passou, No vídeo tape do sonho, a história gravou.

Garrincha, o "Anjo de Pernas Tortas" (Reprodução: Blog Terceiro Tempo)


Saindo das músicas compostas em homenagem a jogadores específicos, esta série não poderia deixar de mencionar uma música que tem como inspiração a magia do futebol, de uma maneira geral, mas que também presta homenagem a alguns grandes artistas da bola.

Para estufar esse filó, como eu sonhei Só se eu fosse o Rei Para tirar efeito igual ao jogador Qual Compositor Para aplicar uma firula exata Que pintor para emplacar em que pinacoteca, nega Pintura mais fundamental que um chute a gol Com precisão de flecha e folha seca

Chico adota imagens poéticas para estabelecer comparação de jogadas com obras de arte de outras áreas e termina citando Mané Garrincha, Didi, Pagão, Pelé e Canhoteiro.

Para avançar na vaga geometria O corredor na paralela do impossível, minha nega No sentimento diagonal do homem-gol Rasgando o chão e costurando a linha Parábola do homem comum roçando o céu Um senhor chapéu Para delírio das gerais no coliseu Mas, que rei sou eu Para anular a natural catimba do cantor Paralisando esta canção capenga, nega Para captar o visual de um chute a gol E a emoção da ideia quando ginga Para Mané para Didi, para Mané, Mané para Didi, para Mané para Didi, Para Pagão, para Pelé e Canhoteiro

Encontro: Música & Futebol, Chico Buarque & Pelé (Reprodução Bem Blogado)


Dois anos depois da despedida de Pelé da seleção (18/07/1971) – e exatos 12 meses antes do início da Copa de 1974, a seleção brasileira ainda não havia definido seu substituto. Na preparação para o mundial, o Brasil disputou 9 partidas na Europa e África do Norte, com 6 vitórias, 1 empate e 2 derrotas. O retrospecto positivo, entretanto, foi ofuscado pelo fraco futebol apresentado e, principalmente, pelas duras críticas ao técnico Zagallo, que relacionou muitos jogadores do Botafogo e também deu oportunidade a outros que não corresponderam em campo.

Desculpe seu Zagallo Mexe nesse time que tá muito fraco

Levaram uma flecha, esqueceram o arco Botaram muito fogo e sopraram o furacão Que nem saiu do chão Desculpe seu Zagalo Puseram uma palhinha na sua fogueira E se não fosse a força desse pau pereira Comiam um frango assado lá na jaula do leão


Com muito humor, a música “Camisa 10”, de Hélio Matheus e Luís Vagner, gravada por Luiz Américo, criticava a convocação feita pelo treinador, fazendo trocadilhos com os nomes dos jogadores, como Flecha (Grêmio), Palhinha (Cruzeiro) e Leão (Palmeiras), salvando a pele somente de Luiz Pereira (Palmeiras) e criticando as atuações de Jairzinho (Botafogo), escalado como centroavante.


Mas o principal mote da canção era a indefinição sobre quem vestiria a camisa que havia sido de Pelé por quase duas décadas, destinada a Paulo Cesar Caju (então jogador do Flamengo) em 7 das partidas, enquanto Leivinha (Palmeiras) e Palhinha foram escalados uma vez cada com a mítica camisa 10. A letra faz referência à contrariedade de Rivellino (Corinthians), a quem foi destinada a 8 em todas as partidas da excursão.

Cuidado seu Zagalo O garoto do parque está muito nervoso E nesse meio campo fica perigoso Parece que desliza nesse vai não vai Quando não cai É camisa dez da seleção, laiá, laiá, laiá É camisa dez da seleção, laiá, laiá, laiá Dez é a camisa dele, quem é que vai no lugar dele? Dez é a camisa dele, quem é que vai no lugar dele?

Despedida de Pelé - Maracanã - 18/07/1971 (Reprodução: Acervo O Globo)

Por que ouvir?

As músicas comentadas nesta postagem servem a múltiplos propósitos: relembrar canções que exaltaram a genialidade de um dos mais brilhantes jogadores brasileiros, Mané Garrincha, que foi do céu ao inferno em pequeno espaço de tempo; ressaltar as possibilidades de lirismo em uma inspiração futebolística e, para suavizar, mostrar que o humor também pode ser adequadamente utilizado, principalmente em uma época que ainda estamos órfãos de Pelé, com nossos “camisa 10” não conseguindo a afirmação e o protagonismo esperado, pelo menos nas 4 últimas edições da copa do mundo.

🎶 Beto bom de bola 🎼 Sérgio Ricardo 🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵(8,0) 🎧 encurtador.com.br/gGP27

🎶 Balada número 7 🎼 Alberto Luiz 🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵 (7,5) 🎧encurtador.com.br/aAEI5

🎶 O futebol 🎼 Chico Buarque 🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵(9,0) 🎧 encurtador.com.br/koOS2

🎶 Camisa 10 🎼 Hélio Matheus e Luís Vagner 🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵 (7,0) 🎧 encurtador.com.br/jlALO

📷 Arte: Rafael Camara; Reprodução: Arquivo Nacional; Reprodução:Blog Terceiro Tempo; Reprodução Blog Bemblogado; Reprodução Blog do Otávio (respectivamente)

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