Boteco JdT: Futebol & Música (2ª parte)
Na primeira parte desta série, abordamos algumas músicas compostas em homenagem (ou para promover) a seleção brasileira de futebol. Hoje o destaque vai para músicas feitas especificamente para alguns classudos como Tostão, Zico, Afonsinho e um suposto ponta de lança africano, comprovando que o futebol é uma fonte inesgotável de inspiração para alguns músicos que, em sua área de atuação, também jogam de terno.
Durante as eliminatórias para a Copa de 70, os estreantes Paulo Laender e Ricardo Gomes Leite dirigiram o filme “Tostão – A Fera de Ouro”, planejado inicialmente para ser um curta metragem de 15 minutos, mas que se transformou em um longa, com caráter de documentário jornalístico, acompanhando a trajetória do classudo que foi responsável por 10 dos 23 gols marcados pela seleção, em apenas 6 jogos.
A trilha sonora, composta pelos geniais Milton Nascimento e Fernando Brandt, incluiu a música “Aqui é o País do Futebol”, lançada por Nascimento em compacto, no ano de 1970, ainda antes da conquista do tricampeonato mundial.
Brasil está vazio na tarde de domingo, né?
Olha o sambão aqui é o país do futebol
Adotada euforicamente, junto com “Pra frente Brasil”, como trilha sonora da seleção na Copa do México, inclusive com uma gravação de Simonal, em novembro do mesmo ano, a letra de Fernando Brandt tem versos intencionalmente dúbios, com crítica velada ao comportamento dos brasileiros, que deixam de lado todas as amarguras e dificuldades em nome da paixão nacional.
Nos campos de terra e grama
Brasil é só futebol
Nesses noventa minutos
De emoção e alegria
Esqueço a casa e o trabalho
E a vida fica lá fora
Ainda em 1970, o cantor lançou o álbum “Milton”, no qual o carro chefe era a música “Para Lennon e McCartney”, em parceria com Fernando Brandt e Lô Borges. Na remasterização do álbum, realizada em 1994, o álbum ganhou como bônus as músicas “Tema de Tostão”, “O Homem da Sucursal”, “Aqui é o País do Futebol” e “O Jogo” (Pacífico Mascarenhas), todas da trilha sonora do filme sobre Tostão.
Em 1976, Jorge Ben Jor, que à época assinava apenas Jorge Ben, lançou um dos mais importantes álbuns da música brasileira. “África Brasil” foi eleito o 22º da lista dos 50 mais legais pela revista Rolling Stone e ocupa a posição 67 na lista dos 100 melhores discos nacionais, segundo a sucursal brasileira da revista.
A 3ª faixa do lado B do álbum é a música “Camisa 10 da Gávea” que exalta as excepcionais qualidades do maior classudo da história do Flamengo, em especial os reflexos, lançamentos, dribles e a incrível habilidade na bola parada.
É falta na entrada da área
Adivinha quem vai bater?
É o camisa 10 da Gávea,
É o camisa 10 da Gávea.
Incluída em um álbum reverenciado por suas inovações melódicas e classificado como marco de afirmação da cultura afro-brasileira, inclusive pela utilização de instrumentos de matriz africana como o atabaque, é forçoso reconhecer que a música tem letra não tão inspirada, tema ironicamente utilizado para falar do homenageado.
Pode não ser um jogador perfeito
Mas sua malícia o faz com que seja lembrado
Pois mesmo quando não está inspirado
Ele procura a inspiração
E cada gol, cada toque, cada jogada,
É um deleite para os apaixonados pelo esporte bretão.
De qualquer forma, a música nasceu a partir da espetacular atuação de Zico no “Fla x Flu das Trocas", realizado em 1976, ocasião em que os rubro-negros venceram com 4 gols do camisa 10 da Gávea, sendo o segundo em cobrança de falta da entrada da área.
Zico, aliás, talvez seja um dos jogadores mais homenageados ou citados na relação futebol e música, como em “Flamengão” (Bebeto, o cantor, não o classudo de origem baiana), “Saudades do Galinho” (Moraes Moreira), Gol Anulado (João Bosco e Aldir Blanc), “Uma vez Flamengo...” (Samba enredo da Estácio de Sá, em 1995) e “Zico é o nosso Rei” (Alexandre Pires), entre outras.
Os anos 1970, auge da ditadura civil-militar brasileira, foram marcados por movimentos de rebeldia também no futebol. Retornando ao Botafogo depois de um empréstimo ao Olaria, o meio-campista Afonsinho ficou oito meses impedido de treinar. Cursando medicina mesmo enquanto atuava profissionalmente no futebol, o classudo era politizado, participava do contestador movimento estudantil da época e, sinal daqueles tempos, passou a cultivar uma vasta cabeleira e deixou a barba crescer, irritando os conservadores da época, entre os quais o técnico Zagallo.
Gilberto Gil, em 1973, lançou o álbum “Cidade do Salvador”, cuja música de abertura, “Meio de Campo”, é uma inspirada homenagem ao jogador, cuja luta pelo direito de exercer sua profissão resultou na conquista judicial do passe livre, transformando Afonsinho em precursor da Lei do Passe, editada em 2001.
Prezado amigo Afonsinho
Eu continuo aqui mesmo
Aperfeiçoando o imperfeito
Dando um tempo, dando um jeito,
Desprezando a perfeição.
Que a perfeição é uma meta
Defendida pelo goleiro
Que joga na seleção.
Mesmo não sendo um jogador que tenha alcançado brilhantes feitos futebolísticos, como Pelé e Tostão, Afonsinho, sem dúvida, marcou um golaço na árdua e difícil luta abolicionista na relação entre jogadores e clubes.
E eu não sou Pelé nem nada
Se muito for, sou um Tostão.
Fazer um gol nessa partida não é fácil, meu irmão.
A relação entre o futebol e o aclamado álbum “África Brasil” não se restringe à homenagem a Zico. A faixa de abertura do lado A é “Ponta de Lança Africano”, também conhecida como “Umbabarauma”, é mais uma das incursões de Jorge Ben Jjor no universo do futebol, depois de já ter feito a conhecida “Fio Maravilha”, vencedora da fase nacional do VII Festival Internacional da Canção (FIC) em 1972, interpretada por Maria Alcina.
A história de Umbabarauma é interessante porque Jorge Benjor alega ter sido inspirado por um jogador africano que jogava com a camisa 10 de um time na França, quando o cantor excursionava pelo país em 1976, juntamente com sua banda Admiral Jorge V. Consta que o jogador em questão, na realidade, chamava-se Babaraum, mas não se tem notícia se ele atuava em um time profissional ou não, ou mesmo que fosse africano.
Umbabarauma, homem gol
Joga bola, joga bola
Corocondô
Joga bola, joga bola
Jogador
Pula pula, cai, levanta
Sobe desce
Corre, chuta, abre espaço
Vibra e agradece
É meio estranho que, com tantos craques em evidência na época, Jorge Ben Jor tenha escolhido homenagear um obscuro (e talvez até inexistente) jogador africano, mas a referência faz todo o sentido em termos de celebração da cultura afro, como já foi mencionado acima. Fato é que, com muita percussão e vocais femininos de apoio, o artista eternizou uma referência músico-futebolística de grande impacto, embora a letra – e me perdoem aqui os apaixonados jorgebenjornianos –, não seja lá essas coisas, mas celebra a paixão pelo futebol de uma maneira gostosa e dançante.
Olha que a cidade
Toda ficou vazia
Nessa tarde bonita
Só pra lhe ver jogar
Umbabarauma, homem gol
Por que ouvir?
Musicalmente as composições relacionadas nesta segunda parte de nossa série são excepcionais, embora em pelo menos duas delas as letras não sejam das mais inspiradas. Mas nosso propósito foi destacar as histórias que originaram esses sucessos musicais, relembrando a época em que futebol e música viviam momentos de inspiração e talento.
🎶 Aqui é o país do futebol
🎼 Milton Nascimento e Fernando Brandt
🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵 (9,5)
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🎶 Camisa 10 da Gávea
🎼 Jorge Ben Jor
🎵🎵🎵🎵🎵🎵 (6,0)
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🎶 Meio de campo
🎼 Gilberto Gil
🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵 (8,5)
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🎶 Ponta de lança africano (Umbabarauma)
🎼 Jorge Ben Jor
🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵 (8,5)
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