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Garrincha: só mais um Manuel


Garrincha

O que faz o futebol ser mágico? Em tempos que o esporte se vê cada vez mais cheio de cifras, contratos milionários, arenas iluminadas, medicina avançada e roupas de moda fica difícil imaginar que essa magia pode ser encontrada também num campo surrado de terra batida. Ou naquele moleque displicente, que se recusa a usar uma chuteira. Naquele que desafia essa mesma medicina e desfila toda a sua genialidade com suas duas pernas tortas. Em tempos de nomes compostos estrangeirados, é difícil imaginar que essa magia já se chamou Manuel Francisco. Manuel que ninguém sabe explicar que dia nasceu. Seria esse mesmo dia 28 de outubro ou dia 18, dez dias antes? Confusão arrumada pelo simples pai de família da pequena Pau Grande, Seu Amaro. Ele teria esquecido de ir registrar seu mais novo filho (que ao todo seriam 15) e feito a confusão no cartório. Tão difícil hoje é imaginar toda magia do futebol pairando sobre um moleque zombeteiro, que costumava caçar passarinhos no interior de Magé e que largava tudo para a pelada com os amigos no campo. A categoria ali mostrada pelo jovem Manuel era posta em dúvida quando ia para as peneiras da cidade grande. Como um moleque com aquelas pernas tortas poderia jogar futebol? Aí começam a surgir as lendas: numa certa oportunidade, essas pernas tortas driblaram o único indriblável do time do Botafogo em 1953: Nilton Santos. A ousadia do moleque teria dado a primeira chance num time profissional. Verdade é que Manuel chamava a atenção já no time de Pau Grande e um certo olheiro do time de General Severiano teria dado essa oportunidade para que ele mostrasse o que sabia diante o time de Nilton Santos. Oportunidade dada e conquistada, apesar das sérias desconfianças por causa de suas pernas, Manuel sobreviveu. Sobreviveu aos primeiros desafios que o futebol lhe lançava: a desconfiança nas pernas, os zagueiros violentos, a distância de casa e a dificuldade de se manter no Rio de Janeiro... cada obstaculo se transformava em um João driblado com maestria pelo então Mané. Mané? Essa pessoa boba, meio tola, desleixada, ignorante? Não, só mesmo o diminutivo de Manuel. Que não deixava de ser um mané. Muitas vezes, o jovem se via perdido e desvirtuado na nova vida. Os puxões de orelha do padrinho Nilton Santos o trazia de volta à realidade e foco. Mas... nem sempre. À altura que Mané se firmava na equipe, sua vida pessoal era posta em foco, com noitadas, mulheril e uma família recheada de filhas ao longo da vida. Mas Mané deixava de ser apenas um jogador e sua carreira deslanchou em 58, quando ao lado do jovem Pelé, trazia para o Brasil a primeira Copa do Mundo! Mané era agora o Alegria do Povo! O Alegria do Povo não fazia por menos e merecia sua alcunha. Brasil afora seu nome virou sinônimo de futebol feliz, com dribles desconcertantes, cheio das imprevisibilidades e diabo... aquelas pernas, como pode? Alcançado a fama mundial graças a copa de 58, Manuel chamava atenção da medicina por causa das pernas tortas. "Mas, Manuel, essas pernas tortas não atrapalham?", "Eu não sabia que eram tortas até vocês me falarem", deve ter respondido. Mané era de fato um ser inocente, bobo, meio ignorante. Não era pra menos. Sua fama lhe dá autoria de frases marcantes que beiram a tolice. Ou a genialidade, como certa vez, ainda em 58, na preleção antes do jogo contra a URS. Feola, técnico da seleção, disse que era só passar a bola para o ponta direita que ele driblava. Recomendou isso ao seu jogador que respondeu: "Mas o senhor combinou isso com os Russos?" Naquela mesma Copa, com as taças em mãos, Mané teria preferido jogar a Taça Guanabara. Para ele aquele torneio mixuruca ali não tinha graça porque não tinha nem segundo turno. A fama estava posta. Manuel era a sensação do momento ao lado de Pelé e foi ao lado do santista a grande esperança para a seleção em 62 no Chile. Quando Pelé se machucou e o Brasil entrava em desespero com a perda de seu principal jogador, Mané colocava a bola entre as pernas (dele e do adversário, tanto faz) e trazia novamente a Jules Rimet para solo tupiniquim. E ainda consagrado como o melhor jogador do torneio. Era Deus escrevendo certo com pernas tortas. Se teve um João que não foi driblado por Mané ele atendia peloo nome de Alcoolismo. Mané era consumidor assíduo desde os tempos de Pau Grande. E se o futebol nos revelou essa Alegria do Povo, a Manuel ele apresentou também uma vida social agitada, regada a cachaça, mulheres e muita gente curiosa sobre aquele que ostentava a magia máxima do esporte. Toda essa confusão só era evitada na simples Pau Grande, onde Mané se escondia e vez ou outra matava um treino do Botafogo para jogar no mesmo campo de terra batida, sem camisa, com os amigos de lá. Mas Mané foi driblado. Deixou o Botafogo e passou por alguns clubes ainda ostentando a fama de gênio. Em 66, quando atuava no Corinthians, Mané passou aquela copa despercebido, assim como o Brasil. Aos poucos, o Manuel voltava ser apenas um Manuel, sucumbindo graças a inocência de um simples mané interiorano. Em 20 de janeiro de 1983, Manuel levava seu último drible do alcoolismo. Uma cirrose transformava o Alegria do Povo no Anjo das Pernas Tortas. Manuel foi o Mané, foi o Alegria, morreu como Anjo. Dizem que Manuel é uma lenda, é o grande mágico que o futebol teve. Mas Manuel é um certo nome que deveria estar acima de todas os outros. Acima de lenda, de mito, de rei, de qualquer coisa: um nome que representa toda a magia que uma hora o mundo viu pairar sobre duas pernas tortas. Um nome que não deveria ser dito em vão e que bastasse ser dito uma única vez: Garrincha. Por que jogava de terno? Esse texto não teria a ousadia de explicar Mané Garrincha. Esse nome por si só deveria ser a explicação. Mas Mané era um driblador implacável, dono de potentes chutes e passes geniais. Ao lado de Pelé, formou uma dupla que jamais perderia com a camisa da seleção brasileira. No Botafogo fez história e é o ídolo máximo de um torcida recheada deles. Mané é referência histórica e mundial e o Joga de Terno não poderia deixar de reverenciar um dos ícones máximos do espote bretão. 👤 Manuel Francisco dos Santos 👶 28 de outubro de 1933* Falecido em 20 de janeiro de 1983 🏠 Brasileiro 👕 Botafogo, Corinthians, Portuguesa Santista, Atlético Júnior - COL, Flamengo, Novo Hamburgo, Olaria e Seleção Brasileira. 🏆 Campeonato carioca: 57, 61, 62 (Botafogo); Copa do Mundo FIFA: 58, 62 (Seleção Brasileira) 👑 Seleção dos melhores das Copas de 58 e 62; Segundo maior jogador brasileiro, quarto sul-americano, oitavo no mundo do século XX pelo IFFS, sétimo maior jogador de todos os tempo segundo a FIFA, Seleção de Todos os Tempos no Século XX. Bola de ouro na Copa do Mundo de 62. Classômetro: 👔👔👔👔👔👔👔👔👔👔 (10) 📷 Agência Globo *Segundo o Biógrafo Ruy Castro, autor de "Estrela Solitária: um brasileiro chamado Garrincha" Seu Amaro, pai de Garrincha, demorou muito para registrar seu filho. Quando o fez, enganou-se. O livro de Castro é considerado o principal registro sobre a vida do jogador, tendo o escritor realizado mais de 500 entrevistas e verificado diversos documentos sobre Mané. O túmulo em Pau Grande, o dia lido é 28 (apenas o ano de nascimento é errado). Apesar disso, todos os documentos dão a data de seu nascimento como 18.

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