Um goleiro no ataque ao racismo
O futebol, introduzido no Brasil por brancos de classe alta, como Charles Miller e Oscar Cox, durante um bom tempo resistiu à miscigenação racial. No início do século XX alguns clubes lutaram contra isso e duas das iniciativas mais simbólicas foram tomadas pelo Bangu e pelo Vasco, este último campeão carioca em 1923, com um time quase inteiramente integrado por negros e mulatos. Quase um século depois, infelizmente, a história do futebol ainda registra manifestações grotescas contra jogadores negros, como foi o emblemático caso do goleiro Aranha, chamado de “preto fedido” e “macaco” quando vestia o terno do Santos F. C., em partida válida pela Copa do Brasil de 2014, na Arena do Grêmio. Nascido em Pouso Alegre (MG), Aranha teria recebido o apelido, dado por um técnico da escolinha local, em referência ao lendário goleiro soviético Lev Yashin. Mas foi como Mário que ingressou nas categorias de base da Ponte Preta, em 1997, tornando-se profissional 3 anos depois, tendo sido considerado o melhor goleiro do campeonato paulista de 2008, quando a Ponte Preta disputou – e perdeu – a final com o Palmeiras. Antes disso, porém, nosso classudo já havia enfrentado uma situação extremamente difícil, e com fortes cores de racismo, quando foi interpelado, algemado, agredido e conduzido a uma delegacia de polícia em Campinas, confundido com um sequestrador. Contratado pelo Atlético-MG em 2009, sagrou-se campeão estadual no ano seguinte, mas fora dos planos para 2011, transferiu-se para o Santos, onde conseguiu seu título mais expressivo, a Copa Libertadores.
E foi com o terno da equipe praiana que Aranha se viu envolvido em um grotesco episódio de racismo explícito, durante uma partida contra o Grêmio. Ao ouvir o coro preconceituoso, Aranha pediu a intervenção do árbitro Wilton Pereira Sampaio, mas nenhuma providência foi tomada no momento. Nem mesmo na primeira versão da súmula os insultos foram relatados. Somente depois que as imagens de TV comprovaram a denúncia, inclusive permitindo a identificação de alguns dos agressores, é que o juiz da partida enviou um adendo à CBF, o que possibilitou a aplicação de sanções à agremiação gaúcha, entre elas a eliminação do torneio.
Mas, por incrível que pareça, a punição acirrou ainda mais os ânimos de parte da torcida que, 3 semanas depois, recepcionou Aranha com uma sonora e contínua vaia, em partida válida pela 22ª rodada do Campeonato Brasileiro. As agressões não mais utilizaram expressões racistas, mas alternaram vaias e o coro “Aranha, veado”. Escondendo suas reações, a resposta de Aranha foi uma atuação impecável, garantindo o zero a zero que custou ao Grêmio a chance de ingressar na zona de classificação para a Libertadores.
No intervalo, e também após o jogo, o goleiro ainda teve que passar pelo constrangimento de responder perguntas irônicas e até mesmo impertinentes, quando se queixou do comportamento da torcida.
Por que joga de terno?
Não se pode dizer que Aranha tenha construído uma carreira de feitos futebolísticos altamente expressivos, mas sim composta por grandes oscilações. Sem desprezar a conquista de 2 títulos significativos e mais de 100 atuações pela Ponte Preta (2 passagens) e pelo Santos, há que se destacar sua persistência e tranquilidade diante de uma situação extremamente desfavorável psicologicamente e, principalmente, a coragem de enfrentar e denunciar veementemente o racismo no futebol.
👤 Mário Lúcio Duarte Costa
👶17 de novembro de 1980
🏠 Brasileiro
👕 Ponte Preta, Atlético-MG, Santos, Palmeiras, Joinville, Avaí
🏆 (principais) Libertadores 11 (Santos); Copa do Brasil 15 (Palmeiras)
👑 Seleção do Campeonato Paulista 08 (Ponte Preta) e 15 (Santos)
Classômetro: 👔👔👔👔👔 (5.4)
📷: Pedro H. Tesch (Brazil Photo Press/Estadão)